O psiquiatra
diz que em momentos de descontrole todo mundo agride. Por isso, a melhor
estratégia é ensinar as crianças a se defender, em vez de apenas punir agressores
TONIA MACHADO E MARCELA BUSCATO
|DIÁLOGO
O psiquiatra neozelandês Stuart Twemlow, de 70 anos. Para ele, a melhor maneira
de combater o bullying é ensinar as crianças a conversar com os agressores
(Foto: divulgação)
O
psiquiatra Stuart Twemlow, de 70 anos, já foi professor de ensino médio na Nova
Zelândia, seu país de origem. Veio daí seu interesse em estudar a violência nas
escolas depois de se formar na faculdade. Professor da Escola de Medicina do
Baylor College, no Texas, Estados Unidos, Twemlow desenvolveu um programa, com
o psicólogo americano Frank Sacco, para evitar o bullying. A tese da dupla está
no livro Why school
antibullying programs don’t work(algo como "Por que os programas antibullying das escolas
não funcionam”, sem edição no Brasil). Twemlow diz que as
estratégias adotadas em vários países, inclusive no Brasil, fracassam porque se
concentram em punir as crianças agressoras. “Isso só faz com que elas pratiquem
bullying longe das vistas dos professores”, afirma. Ele acredita que o segredo
é ensinar as vítimas a se defender, por meio das palavras, aprimorando formas
de diálogo que passem longe da provocação, e até pelas artes marciais. Faixa
preta em aikido, Twemlow afirma que atividades físicas ajudam a extravasar a
agressividade natural aos seres humanos.
ÉPOCA – Por que o bullying parece ter se tornado tão comum
nos últimos anos?
Stuart
Twemlow – Não há
epidemia de bullying em nenhum lugar. O que acontece agora sempre existiu. O
bullying está entre nós desde que os seres humanos existem. Já li sobre casos
que aconteceram no século XVI. Mas agora, com a expansão dos meios de
comunicação, temos mais informações sobre essas histórias. Casos de suicídio e
homicídio, como o massacre de Columbine, em 1999, são raros e não se tornaram mais
frequentes. Eles ficam mais na cabeça porque são, realmente, chocantes, e as
pessoas entram em pânico.
ÉPOCA – O documentário Bully, do
diretor Lee Hirsch, tem causado polêmica nos Estados Unidos por tratar do
assunto de maneira bastante direta. Em sua opinião, que impactos o filme pode
ter sobre as vítimas e os agressores que assistam a ele?
Twemlow
– É um
filme que captura muito bem os sentimentos intensos que envolvem as situações
de bullying, além de representar sem censura as atitudes brutais que acontecem
nesses momentos. Acredito que a maioria das crianças, que não são psicopatas,
pode sofrer o impacto de filmes assim. E, por isso, acho que elas devem
assistir ao documentário.
ÉPOCA – O filme faz parte de um movimento de combate ao
bullying chamado “The bully project”. Muitos movimentos estão surgindo nos
Estados Unidos, como o liderado pela cantora Lady Gaga. O senhor acredita que
são eficazes?
Twemlow
– Tais
movimentos são dignos de apoio, assim como qualquer outro esforço que mantenha
o tema à vista da opinião pública. Se, nos próximos cinco anos, a mídia
continuar concentrada na sensibilização do público como forma de prevenir o
bullying, acredito que isso causará um impacto benéfico sobre a consciência
global.
ÉPOCA – Por que o senhor afirma que os programas
antibullying das escolas americanas não funcionam?
Twemlow
– É
simples. Dados do Departamento de Justiça americano mostram que quase 40% dos
estudantes nos Estados Unidos não se sentem seguros na escola. Entre estudantes
de 14 a 18 anos, essa estatística sobe para aproximadamente 60%. A partir do
momento que a criança acha que alguém vai maltratá-la, ela fica ansiosa e
perturbada. Isso a impede de aprender bem. O objetivo principal desses projetos
antibullying deveria ser criar um ambiente pacífico. Não adianta nos
concentrarmos em punir e coagir os agressores. A maioria dos estudos sugere que
a simples punição não corrige as pessoas. Grande parte do trabalho deve ser
feita com os alunos que são vítimas ou assistem às agressões.
ÉPOCA – Por que mirar no agressor não funciona?
Twemlow
– Controlá-lo é importante, mas não é o suficiente. Muitos
programas conhecidos pelo slogan “Tolerância zero” punem os agressores
suspendendo-os. Isso é cometer bullying com eles. Esse tipo de atitude não faz
com que as crianças deixem de agredir, apenas faz com que elas pratiquem
bullying longe dos professores. Assim, ninguém os vê. O único caminho é que as
pessoas parem de transferir a culpa para os outros e parem de dizer que
bullying é um crime ou uma doença mental. Precisamos trabalhar juntos, tomar
atitudes simples em grupo e formar comunidades sensatas. É preciso ensinar as
crianças a se defender.
ÉPOCA – Como se faz isso?
Twemlow
– Ensinando-as
a dialogar, a falar umas com as outras de uma maneira que não seja ofensiva nem
provocativa. Uma mesma frase dita de maneiras diferentes pode provocar reações
diversas. A comunicação é bem-sucedida quando a pessoa que fala é compreendida
pela pessoa que escuta. Responder de maneira calma e sensata a uma provocação
faz com que o agressor reflita sobre sua atitude.
"Estudos sugerem que a simples
punição não corrige os agressores. Apenas faz com que eles pratiquem bullying
longe da vista dos professores"
ÉPOCA – O senhor pode dar um exemplo de como é possível
treinar as crianças a não ceder a provocações?
Twemlow
– Claro. Uma situação muito comum nas escolas é um aluno
forçar o outro a entregar o dinheiro que ele levou para comprar um lanche na
hora do intervalo. Você pode ensinar os estudantes a reagir a essa provocação sem
criar conflito. O aluno que está sendo coagido pode dizer: “Eu realmente ia
comprar um lanche e vejo que você também está com fome. Você não quer tomar
lanche comigo?”.
ÉPOCA – O agressor não humilharia o outro da mesma
maneira?
Twemlow
– Você se engana. Essa resposta deixará o agressor sem
reação. Não reforçará a reputação de valente dele, porque o outro estudante não
cederá à pressão, chorando de medo ou simplesmente entregando o dinheiro. Como
você reagiria se fosse o agressor e ouvisse uma resposta dessas?
ÉPOCA – Eu me sentiria envergonhada, diria: “Não, muito
obrigada”, e iria embora. Mas não sou uma agressora.
Twemlow
– Esse é outro mito comum. Todos nós somos ou já fomos
agressores, vítimas e espectadores de bullying. O bullying envolve coisas triviais.
Às vezes, as situações saem de nosso controle, e acabamos agindo de maneira
estúpida. Fazemos isso o tempo todo em casa, na escola, no trabalho, em lugares
públicos.
ÉPOCA – O senhor quer dizer que nenhuma característica
especial separa os agressores das outras pessoas?
Twemlow
– Todos podemos ser agressores. É certo que algumas crianças
têm essa tendência mais do que outras. É o caso dos psicopatas. Eles não têm
sentimentos como preocupação, empatia ou cordialidade. São simplesmente
espectadores dos sentimentos dos outros. Como não entendem a comunicação
humana, não se adaptam ao ambiente escolar e precisam ser encaminhados para
tratamentos específicos. O ponto é que psicopatas são raros. No geral, as crianças agressoras são normais como meus
filhos, seus filhos, as crianças da rua. Quando
dizemos que o agressor é um doente mental, cometemos um erro, porque isso nos
faz pensar que ele tem um problema, mas que nós somos normais. Isso não
é verdade. Brigar faz parte da natureza humana. Não podemos abolir o bullying,
porque não se pode abolir algo que faz parte do comportamento humano.
ÉPOCA – Há outras medidas que as escolas podem adotar para
dar vazão a essa agressividade natural e diminuir o bullying?
Twemlow
– As atividades físicas são muito importantes entre as
crianças pequenas, porque normalmente elas ficam hiperativas quando estão
entediadas. Uma prática que tem sido aplicada nas escolas de ensino fundamental
é a inclusão de artes marciais. As crianças gastam energia e aprendem sobre
respeito e disciplina. É algo muito popular e eficaz no ensino fundamental, já
que o bullying físico é bastante comum entre crianças de 10 a 14 anos.
ÉPOCA – Uma lei adotada no Rio de Janeiro em 2010 obriga as
escolas públicas e particulares a denunciar casos de bullying à polícia ou aos
Conselhos Tutelares. Na prática, as escolas se omitem, e as denúncias chegam
por meio dos pais. O senhor acredita que tratar o bullying como um crime
funciona?
Twemlow
– Francamente, não. No Estado de Nova Jersey, nos Estados
Unidos, há uma lei como essa. Uma vez, um garoto chamou outro de estúpido, foi
denunciado, e esse registro foi parar no histórico escolar dele. Lá ficará para
sempre e poderá prejudicá-lo quando ele tentar entrar na universidade. Tudo
porque ele usou uma frase de maneira inadequada. Esse é um exemplo de que
legislar sobre bullying pode gerar consequências ruins, e não ser uma punição
eficaz.
ÉPOCA – No Brasil, uma comissão do Senado decidiu que deve
constar da lei a obrigação de as escolas implementarem a prevenção e o combate
ao bullying. Cada uma pode decidir que tipo de medidas adotar. Essa é a postura
mais indicada ou é melhor ter um único programa?
Twemlow
– Dificilmente um programa formatado para uma escola
funciona em outra, porque são diferentes. É preciso conversar com os
professores, os funcionários, treiná-los e ajudá-los a perceber suas falhas. É
preciso identificar por que o bullying acontece naquela escola. Como cada
escola tem uma cultura, em cada uma o caminho a seguir é diferente.
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